terça-feira, janeiro 03, 2012

Experiência que vale ouro


Quem vê a designer de interiores Ana Rufato tranquila, debruçada sobre projetos de jardins de casas e clubes de Brasília, não imagina a guinada que ela deu em sua vida profissional. Ainda na década de 1990, aos 45 anos, quando nem pensava em parar de trabalhar, a mineira alegre e falante de São Sebastião do Paraíso, a 400 km de Belo Horizonte, entrou em choque ao saber que, por determinação do governo, não podia mais continuar no serviço público, pois já era aposentada. “Eu estava no auge da minha carreira”, lembra. Na verdade, a ruptura seria o início de uma grande transformação. A 10 meses de completar 60 anos, Ana já passou por cinco empresas em suas idas e vindas de Brasília a São Paulo ao lado do marido. Agora, dedicada ao paisagismo, nem sequer cogita largar o batente.

Prestes a entrar na faixa etária que se denomina terceira idade, a designer é o retrato de um Brasil que está adiando cada vez mais a saída do mercado de trabalho. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram, que hoje, quase 30% dos 20,5 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais continuam na ativa. Entre os homens, a taxa chega a 43% e, entre as mulheres, fica em 19,5%. Muitos são como Ana, que continua na labuta por prazer. Mas, na maioria das vezes, a escolha busca complementar a aposentadoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), hoje, com teto fixado em R$3,6 mil.

São brasileiros que, em uma rotina quase anônima, garantem a sobrevivência das famílias. “A maioria permanece trabalhando para manter um padrão de renda. É diferente do que ocorre na Europa, onde as pessoas chegam  à terceira idade, mas podem consumir e aproveitar essa fase sem ter de trabalhar”, afirma o economista Alexandre Shaia, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Embora 30% continuem ocupados na terceira idade, somando os inativos, o número dos que carregam sobre os ombros a responsabilidade do lar é bem maior. Cerca de 45% dos idosos -  nada menos que 9,2 milhões de pessoas – vivem com seus filhos na condição de chefes de família. No Norte e no Nordeste, essa taxa chega a 50%.

Ana teve mais sorte. Casada com o engenheiro Adilson Rufato, 58 anos e mãe de três filhos, ela optou por se aposentar e continuar em atividade em uma estatal do ramo de energia elétrica em 1997. A surpresa, no entanto, veio com uma determinação da Advocacia- Geral da União (AGU) para que ela e os colegas na mesma situação aderissem aos planos de demissão voluntária do governo Collor. Sem saber que rumo tomar, Ana fez vestibular para filosofia e procurou uma firma de recrutamento de profissionais para fazer seu currículo.



Solução

Com a experiência conquistada ao longo de anos de estudo e trabalho, não demorou muito e ela foi contratada por uma empresa de intercâmbio cultural e, em seguida, como assistente da presidência de uma construtora. Em 2008, veio a grande virada. A mineira decidiu fazer o curso técnico em paisagismo, num rumo bem diferente de graduação em letras feita na juventude. “O que, para mim, era uma perda, se transformou em uma grande chance de recomeçar”, diz.

Se, para esses brasileiros, a terceira idade é um momento de reconstruir, para as empresas, ela é uma solução. Marcia Almstrom, diretora de Recursos Humanos da consultoria Manpower, explica que, diante da falta de pessoas qualificadas no mercado de trabalho, as companhias optam por estender a vida dos empregados em seus quadros e aproveitar o capital intelectual de quem tem mais de 50 ou 60 anos. “Olhar para profissionais maduros é uma prática mais presente do que era no passado. Para as organizações, a maturidade hoje não é um ponto de fraqueza”, diz a especialista. “Contratar os mais velhos é comprar competência e lidar com escassez, pois não estamos formando talentos na velocidade em que os idosos deixam o mercado.”

Na avaliação de Márcia, a tendência é que o processo de absorção da terceira idade pelas corporações se acelere. Com sua população em rápido envelhecimento, o Brasil possui hoje dois terços dos habitantes em idade produtiva, entre 15 e 64 anos, o que configura o bônus demográfico – fenômeno definido pela força de trabalho maior que o número de pessoas economicamente dependentes. Em 2022, o país viverá o auge desse processo. A partir daí, o contingente em idade de produzir vai começar a cair e crescimento populacional será guiado pelo aumento do número de idosos.

“As companhias só vão conseguir lidar com isso com mais flexibilidade no recrutamento, não apenas em relação aos idosos, mas também às mulheres e aos deficientes físicos”, analisa a especialista. José Eduardo Bilian, professor de economia da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), destaca que, nos cargos de nível técnico, a necessidade de pessoas capacitadas é muito maior do que nos de formação superior. “Temos observado que, no setor metalúrgico, por exemplo, os aposentados voltam à atividade justamente por causa da falta de mão de obra qualificada”, diz.



Qualificação

A despeito do novo cenário, Ana Rufato observa que o contrato com as empresas nem sempre é tarefa fácil. Depois de se aproveitar, não foram poucas às vezes em que ela foi descartada antes da entrevista por causa da idade. “Em uma ocasião, a moça marcou tudo e, depois de perguntar quantos anos eu tinha, disse que ligaria novamente para agendar uma conversa. Daí eu que disse que não queria mais. Se a empresa declina de uma proposta por causa da minha idade, ela não merece a minha experiência”, diz. Durante o curso de paisagismo, de dois anos e meio, Ana não conseguiu estágio. A seu ver, as corporações deveriam ficar mais atentas à qualidade dos profissionais que se aposentam. “No funcionalismo, por exemplo, os servidores públicos passam por processos de grande qualificação, uma mão de obra valiosíssima.”

 Fonte: Correio Braziliense


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