Elas ainda são minoria em áreas como indústria, construção
civil e tecnologia. Governo federal lança campanha para incentivá-las a se
capacitarem nesses setores
“Meu pai queria que eu estudasse design de interiores e só
com muita conversa consegui convencê-lo de que eu deveria fazer o que gosto.”
Gabriela Soares, estudante do curso de mecânica automotiva
Qual não foi a surpresa do cliente que, ao levar o carro
para a revisão na oficina, descobriu que o mecânico que cuidaria do automóvel
seria, na verdade, uma mulher. Mesmo com o crescimento da participação delas no
mercado de trabalho brasileiro, algumas áreas permanecem territórios
francamente masculinos. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) feita em 2011 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) mapeiam os setores da economia nos quais a presença feminina é raridade.
Do total de trabalhadores na construção civil, 96,5% são homens. Na indústria,
64,6% da força de trabalho é masculina. No caso dos serviços industriais de
unidade pública, eles representam 82,8% da mão de obra. Apenas as atividades do
setor de serviços são ocupadas predominantemente por mulheres(52%).
Ante a baixa participação feminina nesses segmentos, a
Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR)
lançou a campanha Mulheres que inovam. A estratégia é promover a qualificação
delas em áreas tradicionalmente associadas aos homens por meio do Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Segundo a ministra
da SPM, Eleonora Menicucci, a campanha tem por objetivo promover a liderança
das mulheres em todos os segmentos da economia. “Queremos mostrar para elas que
é possível ampliar o horizonte de trabalho e atuar nos setores que estão em
expansão, como a construção civil e a indústria”, destaca. Embora as mulheres
já estejam atuando nesses setores, os números podem crescer. No entanto, o
preconceito é uma das barreiras. “Muita gente acredita que as mulheres devam
assumir um certo tipo de papel, e os homens, outro”, observa a ministra. Para
ela, contudo, essa divisão não pode mais existir.
Questão social
A especialista Márcia Vasconcelos, coordenadora do programa
de promoção da igualdade de gênero e raça no mundo do trabalho, e prevenção e
enfrentamento do tráfico de pessoas da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), acredita que a baixa presença de mulheres em setores considerados
masculinos diz respeito a como a sociedade e, consequentemente, o mercado de
trabalho brasileiro, se organizam. “As mulheres têm maior dificuldade de
acessar o mercado de trabalho e nele permanecerem em razão das responsabilidades
que, ainda num modelo tradicional, recaem quase que exclusivamente sobre elas,
que é o trabalho de cuidado da casa, das crianças”, destaca.
De acordo com ela, ao assumirem de forma principal a
responsabilidade de cuidar de tudo isso, embarcando em varias jornadas de
trabalho por dia, as mulheres têm menos tempo para a capacitação profissional e
também para investirem na própria formação. Isso afeta e pode prejudicar a
própria trajetória profissional e a inserção delas no mercado de trabalho. “Ao
considerarmos os dados atuais de participação no mercado de trabalho, as
mulheres ainda apresentam percentuais 20 pontos mais baixos que os dos homens.”
Na opinião da especialista, isso demonstra as dificuldades que elas enfrentam
por não terem políticas públicas que apoiem toda a dimensão das atividades de
cuidado com a família.
A necessidade de cuidar dos três filhos faz Maria Leonici
Fernandes do Nascimento trabalhar em casa como costureira. Com a primeira
gravidez, deixou os estudos para trás ainda na primeira série do ensino médio.
Hoje, aos 40 anos, voltou à sala de aula para realizar um grande sonho:
trabalhar na indústria. Ela é aluna do curso de torneiro mecânico do Pronatec
oferecido pelo Instituto Federal Brasília (IFB). Única mulher da turma, Maria
afirma que seu desempenho não deixa nada a desejar. “Muito pelo contrário, devo
ser uma das melhores da turma”, afirma. Para ela, a profissão de torneiro
mecânico ser considerada essencialmente masculina não passa de um mito. “Nós
somos igualmente capazes de fazermos as mesmas tarefas, os mesmos trabalhos”,
garante. Suas aulas preferidas são as práticas, momento em que, de fato, ela
pode colocar a mão na massa. “Muita gente acha esquisito eu ter escolhido esse
curso, mas meus filhos têm muito orgulho de mim”, conta a moradora de
Brazlândia, que diz sentir falta apenas de uma colega para ter com quem
conversar.
Jocilene Gomes de Oliveira decidiu recomeçar a carreira em
uma profissão considerada masculina, a de auxiliar de redes
Novos papéis
Rafael Lucchesi, diretor de educação e tecnologia da
Confederação Nacional da Indústria (CNI) e diretor-geral do Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai), afirma que o perfil do trabalhador na
indústria tem sofrido grandes mudanças. As mulheres começam a ganhar espaço no
chão de fábrica. “Como o trabalho que requeria força física perdeu espaço para
o computador, as mulheres se sentem mais à vontade para desempenhar qualquer
tipo de função.” Ele destaca o número de alunas matriculadas nos cursos oferecidos
pelo Pronatec: “Das vagas ofertadas em 190 cursos, 70% são preenchidas pelas
mulheres”.
Professora do programa de pós-graduação em sociologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Lorena Holzmann avalia que,
nos últimos 30 anos, foi marcante a evolução das mulheres em ocupações
masculinas. “Hoje, são inúmeros os empregadores da área de tecnologia, por
exemplo, que preferem trabalhar com a mão de obra feminina, considerada mais
minuciosa”, avalia.
A estudante Gabriela Soares, 17 anos, faz parte de uma das
turmas de mecânica automotiva do Pronatec, oferecida pelo Senai de Taguatinga .
No entanto, sua trajetória não tem sido nada fácil. Para começar, a jovem
precisou enfrentar a resistência da família. “Meu pai queria que eu estudasse
design de interiores e só com muita conversa consegui convencê-lo de que eu
deveria fazer o que gosto.” Ser a única mulher de uma turma de 12 pessoas
também é difícil. “As piadinhas e comentários feitos pelos colegas mostram como
a minha presença ali causa estranheza”, desabafa.
Aluna do curso de auxiliar de redes do Pronatec oferecido
pelo Instituto Federal Brasília (IFB), Jocilene Gomes de Oliveira, 39 anos, viu
na capacitação uma forma de mudar de vida. Quando decidiu estudar, estava
desempregada há dois anos e quatro meses. Após um mês e meio do início das
aulas, ela já havia sido contratada por uma empresa de manutenção de redes em
empresas. “Tomei coragem e resolvi investir nessa área na qual eu nunca havia
trabalhado, mas que me fascinava”, conta. Apesar de acreditar que é um mercado
masculino, ela sente que isso está mudando. A turma dela já é paritária: são
cinco homens e cinco mulheres. “O trabalho feminino é valorizado, pois somos
detalhistas e temos vontade de aprender,” comemora.
Acesso à educação
O Pronatec foi criado em 2011 com o objetivo de ampliar a
oferta de cursos de educação profissional e tecnológica no Brasil. Para se
candidatar é preciso ter pelo menos 16 anos e ser inscrito no CadÚnico
onde buscar formação
» Pronatec 0800-616161
» Instituto Federal
Brasília (IFB) (61)
2103-2154
» Senac (61) 3313-8877
» Senai (61) 3362-6000